Pesquisa recente realizada pelo IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) apontou que apenas 21,5% da população é capaz de compreender as informações apresentadas em um rótulo. No entanto, a pesquisa não era proporcional ao nível de instrução da população: 70% dos respondentes tinham ensino superior, ou seja, o número real é muito mais problemático: a população brasileira não entende o rótulo!
Segundo o Ministério da Saúde, a obesidade aumentou 60% nos últimos dez anos, chegando a 19% da população brasileira em 2016. Outras doenças ligadas à alimentação também tiveram aumento significativo, com crescimento de 14% de hipertensos e 62% de pessoas diagnosticadas com diabetes.
Para atacar este problema e informar o consumidor a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mantém um grupo de trabalho desde 2014 com o objetivo de propor novas soluções para aumentar a clareza das informações do rótulo.
Pois embora a legislação obrigue que as fabricantes publiquem todos os ingredientes e quantidades de cada um (tanto em valores absolutos quanto porcentagem da dose diária recomendada), a informação ainda é confusa. Por exemplo, maltodextrina é um açúcar, mas parte da população não sabe disso. Outros tipos de adoçantes também são utilizados para diminuir ou “mascarar” a quantidade de açúcar em um determinado produto.
A mira dos projetos de rotulagem são os chamados ultraprocessados: alimentos industrializados com longas listas de ingredientes, já irreconhecíveis no produto final: salgadinhos, refrigerantes, biscoitos, sorvetes, entre outros, com excesso de sódio, açúcar e gorduras, que são utilizados para dar sabor e estender a data de validade.
Pesquisas como esta realizada pelo IDEC mostram a dificuldade do consumidor em fazer escolhas mais saudáveis. E a indústria alimentícia está de olho nesta tendência, divulgando os pontos positivos dos seus produtos em afirmações como “feito com cereais integrais”, ou “com pedaços de frutas”, que podem induzir o consumidor ao erro, ao pensar se tratar de um alimento mais saudável.
Possíveis caminhos para melhor informação
O grupo de trabalho mantido pela Anvisa propôs novos modelos de rotulagem nutricional, além de alterações de rotulagem para facilitar a comparação entre produtos, como a padronização da quantidade para 100g ou todo o pacote (atualmente o fabricante define a porção recomendada e elabora a tabela nutricional com base nessa porção, o que torna a comparação difícil).
Duas propostas se destacam das demais:
- Trazer alertas em preto, claramente visíveis na frente da embalagem.
- Inserir a chamada “informação semáforo” na tabela nutricional, com as cores verde, amarelo e vermelho para a quantidade de cada componente dos alimentos.
O primeiro modelo é defendido pelo IDEC, com apoio da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) e consiste em um selo de alerta preto com escrito em branco com a informação “Muito Açúcar”, “Muito Sódio” e “Muita Gordura Saturada”. O modelo, adotado no Chile, é considerado um dos mais drásticos, mas também o mais efetivo para mudanças significativas de comportamento da população.
No Chile os alimentos com estes selos não podem ser comprados pelo governo e são proibidos em escolas. Também estuda-se restringir o marketing e publicidade destes alimentos.
Para a ABIA (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), a proposta do IDEC fere o direito de escolha do cidadão: “Em vez de esclarecer, de ajudar o consumidor a selecionar o alimento mais adequado para sua dieta, simplesmente assusta o consumidor. Trabalha a mensagem do medo, do alerta, do perigo.”, afirma a entidade em nota. A entidade defende o modelo adotado na União Europeia, que consiste em um selo colorido na frente do alimento, onde a quantidade de açúcar, gordura e calorias são claros, acompanhados de círculos em cores de alerta.
Em contrapartida, a nutricionista do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição (Opsan) da UNB, Ana Maria Thomas, alega que o modelo proposto pela indústria é tímido. Os rótulos de alimentos já são bastante coloridos, e a informação não ganha o destaque necessário.
A posição da Anvisa no momento é fomentar o debate. O grupo de trabalho promoverá novas audiências com a participação de representantes dos setores interessados e sociedade civil. Em nota para a agência Senado Notícias, declara: “Adicionalmente, os estudos que comparam os modelos em questão realizados em outros países não podem ser extrapolados facilmente para a população brasileira, em decorrência das diferenças no nível educacional e no conhecimento sobre nutrição. Assim, existe incerteza sobre qual o modelo seria mais efetivo para nossa população.”
Experiência do consumidor é fundamental
Pensando além da obrigatoriedade das informações, a indústria deve olhar para a experiência do consumidor. Sabemos que a escolha do material do rótulo influencia na percepção de qualidade, mas o marketing pode ir além e se aproveitar da informação como argumento de venda.
É o que fez a Heinz, em campanha recente, ao colocar os ingredientes do seu famoso Ketchup em letras grandes na frente do rótulo, para indicar a ausência de itens questionáveis. Na outra ponta da cadeia temos exemplos como o supermercado Assun, do Rio Grande do Sul, que colocou uma lupa nos carrinhos para facilitar a vida dos seus clientes que querem enxergar bem os ingredientes nos rótulos.
O consumidor moderno está cada vez mais atento à própria alimentação, e escolhe marcas alinhadas com a transparência e clareza no rótulo, itens essenciais para pessoas com alergia ou intolerância a alimentos.